sábado, 29 de maio de 2010

BREVE REFLEXÃO ACERCA DA CONTRIBUIÇÃO DA HISTÓRIA CULTURAL À EDUCAÇÃO*


  José Wilson Moura Santos**


RESUMO

O texto trata de abordar os teóricos da História Cultural e suas importantes obras como marco teórico-metodológico para o estudo da História da Educação. Esta por destes, incorporou novos objetos, métodos, abordagens e fontes de trabalho historiográficos. Além de estabelecer interação entre a História da Educação e as Ciências Humanas.

Palavra-chave:
Historiografia; História Cultural; História da Educação; Fontes; Objetos





A História da Educação até meados da década de sessenta do século passado não tinha relevância como objeto de estudo da História, mesmo que tenha se constituído “como disciplina científica no final do século XIX. Uma grande quantidade de trabalhos tendo a História da Educação como objeto começou a circular na Europa a partir da década de oitenta do século XIX, depois do sucesso obtido pelo cursdo que Wilhelm Dilthey ministrou na Universidade de Berlim, em 1884” (NASCIMENTO, 2003, p. 22). Mas, só atualmente que temos um avanço considerável do número de obras e pesquisas dentro do campo da História da Educação, tanto a nível mundial quanto local (ou seja, no Brasil e notadamente aqui em nosso Estado), isso graças a formação dos núcleos de pós-graduação em Educação (VIDAL & FARIA FILHO, 2005, p. 73: LOPES & GALVÃO, 2005, p. 35). Também, a sua abordagem temática teve uma notável diversificação, ao ponto de desenvolver ao lado dos antigos objetos de estudo (estudo das leis educacionais, grades curriculares, o ensino, a escola...), temas como “... as crianças e os jovens, o livro e a leitura, as mulheres, a violência, entre tantos outros sujeitos e objetos que contribuem para a melhor compreensão dos processos educativos do passado” (LOPES, 2005, p. 12).
Como objeto da História, destaca-se pela sua abordagem teórico-metodológico sob a luz da História Cultural, por ser um campo teórico onde permite ao historiador da educação trabalhar os pequenos fenômenos e a facilidade de manusear inúmeras fontes, dantes vistas no meio científico como impossíveis de ‘falar’ sobre o passado educacional.  Assim, a História da Educação têm novos mananciais além das usuais, tais como
a legislação e os relatórios oficiais, ao mesmo tempo em que se saúda, como muito bons olhos, a utilização de outras ainda não tão comuns ao meio: memórias e autobiografias, imagens, sobretudo fotográficas, revistas pedagógicas, jornais, livros didáticos e até mesmo filmes, músicas e materiais escolares (Ibidem, p. 118).

A História da Educação tem abordado suas temáticas e o uso das mais variadas fontes de pesquisa sobre a insígnia da História Cultural. Essa relação entre História Cultural e História da Educação nasceu a partir das obras de Peter Burke, Roger Chartier, Robert Darton, Carlo Ginzburg e Diana Vidal e Faria Filho. Desses teóricos tentaremos breve e sucintamente de forma pouco profunda identificar o arcabouço teórico-metodológico que assegura a cientificidade a este campo do conhecimento trabalhar uma grande diversidade de temas dentro da sua disciplina.
Peter Burke em “A Escola de Annales (1929-1989): a revolução francesa da historiografia” (1997), atesta a reviravolta dada a historiografia pelos Annales ao propor a interdisciplinaridade e novos métodos teóricos como a História Cultural que possui uma grande relação com a Educação. Isso se iniciou no momento que foi minimizada as abordagens religiosas, marxistas e positivitas sobre a História da Educação e no momento que ela própria passa a interagir com outras ciências sociais. Foi com os Annales que houve a expansão do 
campo da história por diversas áreas. O grupo ampliou o território da história, abrangendo áreas do comportamento humano e a grupos sociais negligenciados pelos historiadores tradicionais. Isso vinculado à descoberta de novas fontes e métodos para explorá-los; a colaboração com outras ciências, ligadas ao estudo da humanidade, da geografia à lingüística, da economia à piscologia (BURKE, 1997,p. 126-127).

A partir de então, os Annales enveredaram pela História da Educação abordando novos temas e/ou problemáticas dantes esquecidas ou descuradas pelos estudiosos e pesquisadores da História da Educação até então. Foi assim que, a partir do estudo da alfabetização a História Cultural conduziu
... à pesquisa coletiva e a analise estatística (...) As pesquisas sobre a alfabetização foram acompanhadas de pesquisas sobre o que os franceses chamam de ‘história do livro’ – pesquisa que se preocupava com as (...) tendências de sua produção e com os hábitos de leitura dos diferentes grupos sociais (Ibidem, p. 91)                                   

Além da contribuição dos Annales, temos a de Roger Chartier em “À beira da falésia. A História entre certezas e inquietudes” (2002), onde chama atenção do historiador sobre o anacronismo ao tratar do objeto de estudo. Para Chartier, no momento em que o historiador se debruçar em estudar o homem e suas atividades no passado deve tomar o cuidado de devolvê-lo “... à sua época, já que, seja ela qual for, não pode se subtrair às determinações que regulam as maneiras de pensar e de agir de seus contemporâneos” (CHARTIER, 2002, p.34). Por isso, devemos reconhecer a ‘aparelhagem mental’ (termo usado por Chartier) de cada época para apreendermos suas idéias formadas naquele contexto. Assim, “a tarefa primeira do historiador,... é resgatar essas representações, em sua irredutível especificidade, sem recobri-las com categorias anacrônicas, nem medi-las pela aparelhagem mental do século XIX” (Ibidem, p. 31).
Ainda, Roger Chartier discorre a respeito das relações que a História tem com a geografia, sociologia, filosofia, a crítica literária e as apropriações do texto pelo leitor (Idem, 2002, p. 251). Essa apropriação dá-se independentemente da finalidade que tinha o autor do texto, pois ela se desfaz no momento em que o leitor faz a leitura do mesmo. “Controlar sua produção, emprego, significação, é um poderoso instrumento de poder. (...) A história das formas e das apropriações da escrita não é, portanto, uma história sem conflitos...” (Ibidem, p. 254). Portanto, a leitura do texto pelo pesquisador ou qualquer leitor estará sujeita a interpretações e utilizações opostas muitas vezes ou em todas as vezes que for lido diverso do autor do determinado texto.
Outro contribuinte da escrita da História da Educação é Robert Darnton em “O grande massacre de gatos e outros episódios da história cultural francesa” (2001). Este diferentemente de Chartier, mostra que num determinado fato ocorrido num dado momento histórico é possível revelar, por exemplo, a situação sócio-cultural e mental em que vivia determinada sociedade e, assim “descobrir sua cosmologia, mostrar como organizavam a realidade em suas mentes e a expressavam em seu comportamento,.. captar a sua diferença” (DARNTON, 2001, p. XIV, XV).
Com o episódio do massacre de gatos, Darnton destaca o anacronismo e a necessidade de uma nova interpretação e reeleitura das fontes, como cartas, relatórios, livros, contos, fotos, entre tantas outras. A estas, o trabalho deve ser minucioso e ‘detetivesco’, ou seja, “analisando o documento onde ele é mais opaco, talvez se consiga descobrir a uma pitoresca e maravilhosa visão de mundo” (Ibidem, p. XV). Para desvendar algo que não está à vista cabe ao historiador, segundo Darnton “descobrir a dimensão social do pensamento e extrair a significação de documentos, passando do texto ao contexto e voltando ao primeiro, até abrir caminho através de um universo mental estranho” (ibidem, p. XVII) que, possivelmente, não esteja tão claro a quem procura com lentes opacas, ou melhor, para aquele que não ‘questiona nada ao documento’.
A respeito dos documentos, Darnton aborda a necessidade e o cuidado do historiador retirar delas todo sentimento, emoções e valores impregnados pelo autor do texto, como é passado pelo observador da cidade de Montpellier. Além disso, evoca a importância do estudo sobre leitor/leitura e sua apreensão da realidade. É o que se observou da influência de Rousseau sobre os seus leitores, a maneira de ler, a sua apropriação da leitura, do livro e a relação com os editores. “Os leitores rousseauístas da França pré-revolucionária atiravam-se aos textos com uma paixão que mal podemos imaginar que é estranha para nós, como a ânsia da pilhagem entre os normandos... ou o medo dos demônios, entre os balineses” (Ibidem, p. 322).
Entre as tantas contribuições de Carlo Ginzburg em “Mitos,emblemas e sinais: morfologia e história” (1989) para o historiador da Educação está a importância de se conhecer a estrutura, comportamento e as formas da vida social. E para tanto, faz-se necessário o conhecimento por parte do historiador da arte, da erudição, da biografia, da psicologia, da antropologia, do folclore e outras ciências que venham auxiliar no conhecimento do passado da sociedade. Já que para ele, “é necessário examinar os pormenores mais negligenciáveis” (GINZBURG, 1989, p. 144), isto é, dos poucos dados considerados insignificantes o historiador poderá compreender o momento social vivido e suas implicações, por isso o historiador deve absorver consideravelmente os ensinamentos de outras ciências para que tenha a condição de “... a partir de dados aparentemente negligenciáveis, remontar a uma realidade complexa...”(Ibidem, p. 152). É daí que ele propõe o chamado ‘paradigma indiciário’, ou seja, do indício o historiador deve partir para outras fontes, além de procurar auxílio nas ciências como antropologia, arqueologia, geologia, entre outras. É por isso que ele faz comparação do documento com o sintoma em relação ao médico, do sonho ao psicanalista e da pista ao detetive.
Por último, temos os estudiosos Diana Vidal e Luciano Faria Filho quem em “As lentes da  história: estudos de história e historiografia da educação no Brasil” (2005) em seu último capítulo abordam a relação entre História Cultural e História da Educação. Para os autores, o aprofundamento da relação da Educação com a História Cultural se dá “a partir da década de 1960, na Europa, a História da Educação influenciada, sobretudo pela Sociologia, Antropologia, Teoria Literária e Lingüística, à semelhança do que já ocorria em outros domínios da História, passa por um processo de renovação: os objetos e as fontes são alargadas, diversificadas” (LOPES, 2005, p. 35). Assim, nos anos de 1990 se tem “uma multiplicidade de grupos de pesquisa que se colocaram o desafio de investigações de escopo alargado, de longo prazo e com grande preocupação com o mapeamento, organização e disponibilização de acervos documentais” (ibidem, p. 122). Conforme os autores, o historiador da educação que dialoga com a História Cultural amplia seu leque de objetos com inovações temáticas, as chamadas culturas escolares.
Tais estudos têm permitido, segundo os analistas, não apenas adentrar à ‘caixa preta’ da sala de aula, mas também desnaturalizar a instituição escolar, historicizando a própria institucionalização da educação escolar e discutindo de forma articulada os tempos, espaços, sujeitos, materiais e conhecimentos envolvidos naquilo que alguns têm chamado de processo de escolarização da sociedade (Ibidem, p. 118).

Assim a História da Educação sobre o marco teórico-metodológico da História Cultural inovou, tanto em tema quanto em objeto, fontes e análise de documentos. Já que por meio do ‘paradigma indiciário’, o trato com os (novos) documentos e suas tantas informações, as fontes quanto os objetos considerados signos considerados até então “pouco nobre no interior da própria História da Educação” (FARIA FILHO, 2005, p. 39) passaram a ser privilegiados. Ainda mais, a possibilidade de interação entre a História da Educação com as outras ciências, com a vida social proporcionou ao pesquisador da educação uma infinidade de abordagens que anteriormente não era possível. Contribuindo dessa forma, para o alargamento e uma ‘visão macro’, se assim posso afirmar, da História da Educação tanto no local quanto geral em seus diversos aspectos.

Notas:
*  Texto produzido entre janeiro e abril de 2010.
** Graduado em História pela UFS, Especialista em Educação e Gestão pela Faculdade Pio X. Professor da rede pública de ensino. Integrante do grupo de estudo História Popular do Nordeste/NPGL.



Bibliografia:


BURKE, Peter. A Escola de Annales (1929-1989): a revolução francesa da historiografia. São Paulo: Editora da Unesp, 1997.

CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietude. Porto alegre: Editora da UFRGS, 2002.

DARNTON, Robert. O grande massacre de gatos e outros episódios da história francesa. 4º ed. Rio de Janeiro: Graal, 2001.

GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas e sinais. Morfologia e História. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

VIDAL, Diana Gonçalves; FARIAS FILHO, Luciano Mendes de. “História da Educação no Brasil: a constituição histórica do campo e sua configuração atual”. In: VIDAL, Diana Gonçalves; FARIA FILHO, Luciano Mendes de. As lentes da história: estudos de história e historiografia da educação no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados, 2005.

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