domingo, 16 de maio de 2010

Perfil biográfico da poetisa e educadora Etelvina Amália de Siqueira*


José Wilson Moura Santos. Professor de História**
Ana Paula Rocha Barreto. Professora de Português***


A professora Freire define Etelvina “como cultura do verso e da prosa, oradora vibrante, educadora, conhecedora do idioma pátrio, abolicionista convicta e como tal amante da liberdade e da república...” (FREIRE, 1998, p.29) e Pina como uma “inteligência fulgurante, (...) foi poetisa, contista, jornalista, oradora e declamadora” (PINA, s/d, p. 193). A partir desses conceitos atribuídos a ilustre professora e poetisa traçaremos o seu perfil biográfico.
Nasceu em Itabaiana no ano de 1862, sendo filha de José Jorge de Siqueira e Rosa Maria de Siqueira. Em sua terra natal, teve os primeiros contatos com as letras e cursou o primário. Deixou seu chão na adolescência juntamente com sua família, dirigindo-se a Aracaju. Mas a vida na capital sergipana não a fez esquecer Itabaiana e a saudade sempre lhe batia o peito, levando-a sempre a relembrar sua meninice e, nostálgica, compôs o poema “Minha Terra” (SIQUEIRA, apud Pina, s/d, p. 201-03).

“Minha terra é uma criança
Sempre rizonha, não chora,
Encantada das belezas
Com que a natura a aflora.
(...)
A sombra dos adustos cajueiros,
Aspirando o perfume de seu seio,
Eu gozei dos anjos a harmonia,
As aventuras do céu, que doce enleio!
 (...)
Tem uma serra orgulhosa
Invejada no Brasil
Ribeirinhos cor de prata
 E um céu de puro anil.
(...)
Não tendo flores viçosas
Que te lance ao lindo colo,
Aceita, mãe a saudade
Que colhi em estranho solo.

Recebe a prova singela
Que te manda a filha ausente.
Repara: - vai orvalhada
De um pranto ainda quente”.
(Poema de Etelvina Amália de Siqueira, extraído da obra “A Mulher em Sergipe” da escritora Maria Lígia Madureira Pina, s/d, p. 201-03)

Em Aracaju, após aprovada em exames de seleção, ingressou na primeira turma da Escola Normal feminina do Asilo Nossa Senhora da Pureza, implantada em 1822. Nessa instituição de ensino, destacou-se pela sua inteligência e dedicação aos estudos, tornando-se um exemplo para as demais colegas de classe. Formou-se professora em 11 de novembro de 1884.
Segura, confiante e preparada para exercer o magistério, Etelvina após a formatura fundou o seu próprio colégio particular para o ensino primário e secundário de 1885 a 1890 (PINA, p. 193), ingressando para a vida profissional como docente. Em seguida, foi nomeada professora pública na Barra dos Coqueiros de onde foi removida em 31 de janeiro de 1891 para a aula elementar anexa a Escola Normal. No mesmo estabelecimento de ensino, em 1911, além da função de professora, exerceu o cargo de Auxiliar do diretor da Escola Normal e Anexo. Em 1912, passou a lecionar língua portuguesa nessa mesma instituição (GUARANÁ, 1925, p. 75).
A abalizada educadora foi uma voz dissonante e fervorosa contra a continuidade da escravidão no país. Em virtude disso, atuou sobre dois aspectos: discursivo e intelectivo. Enquanto aquele defendia o abolicionismo com pronunciamentos calorosos na “Cabana do Pai Tomaz” (1883), este abrandava a exclusão educacional sofrida pelos filhos libertos das escravas ao lecionar gratuitamente na casa do seu tio Francisco José Alves, onde funcionava a sociedade supra citada (SANTOS, 1997, p. 105).
A sua vocação intelectual e profissional não se estanca na educação, nem na luta abolicionista, pois vislumbramos sua importantíssima contribuição de cunho jornalístico por meio de discursos e artigos escritos em diversos jornais sergipanos (‘O Libertador’, ‘O Planeta’, ‘Gazeta de Sergipe’ e o ‘Estado de Sergipe’) e no jornal “A Discussão” do Rio Grande do Sul.
A distinta Etelvina também enveredou por caminhos da literatura com obras de alta qualidade (poemas e contos), legando-nos uma vasta produção espalhada por jornais do seu Estado e no Almanaque Sergipano.
Entre as temáticas abordadas em suas composições poéticas destacamos: o abolicionismo (“Ao Amigo do Escravo”; transcrito por Pina, s/d, p. 197-98); a educação ( “No levante da Pátria”, “Soa Além do Clarim” e “Surgem Auroras”, transcrito por Freire, 1988, p. 39) produzidos para o início das aulas; exaltação a personalidades como: Fausto Cardoso (“A Fausto Cardoso”e “No Terceiro Aniversário da Morte do Dr. Fausto Cardoso”, idem, 1988, p. 200) e Tobias Barreto (“Quadras a Tobias Barreto”, Idem, 1988, p. 200) e  a natureza (“O Pôr do Sol”, idem, 1988, p. 199).
Transcrevemos algumas estrofes dos poemas “Ao Amigo do Escravo e “Surgem Aurora” respectivamente:
(...)
Vós despertastes ao grito
Da infeliz escravidão;
Somos amigos, dissestes,
Dos míseros que não têm pão.
(...)
Remir no mundo os escravos
É curar de Cristo as chagas;
Marchai! Que o suor da luta
Vos doure a fronte em bagas.

Quando um dia o sol brasíleo
Surgir, mimoso de amor,
Aquecendo as faces frias
Do escravo ao seu calor.
(...)
(Poema transcrito da obra ‘A Mulher na História’ de Maria Lígia M. Pina, s/d, p. 197-98)

(...)
Abre-se a classe à luz das esperanças
Apartando de nós os vis terrores;
A escola é o róseo berço das crianças
Balouçada do amor nos resplendores;
O livro nos ensina com doçura
Nobres lições de fé e de heroísmo:
Doce aliança formam com ternura
Trabalho e estudo – e são patriotismo.
(Poema transcrito do artigo “Etelvina Amália de Siqueira: pioneira das intelectuais sergipanas” de Ofenísia Soares Freire, 1988, p. 39)

Quanto a sua escola literária, Freire filia a poetisa no movimento parnasiano porque “seus versos expressam uma linguagem sem pieguice, sem derramamentos sentimentais, procurando de maneira objetiva desenvolver o pensamento. O vocabulário é escolhido e a frase busca a perfeição” (FREIRE, 1998, p. 32).
Também Etelvina foi uma afamada oradora e dentre os grandes discursos, salientamos o proferido em razão da colocação do retrato no salão nobre da Escola Normal e Anexo do governo do estado Dr. José Rodrigues da Costa Dória e pela inauguração do edifício destinado à mesma instituição em 1911.
Em virtude de seus diversos atributos e valor no contexto social, político e intelectual para a sua época, Nunes a considerou “a pioneira das mulheres sergipanas nas atividades intelectuais” (NUNES, 2006, p.66). Portanto, não devemos sentenciá-la ao esquecimento sepulcral, visto que esse perfil biográfico abre-nos o leque para debruçarmos com mais acuidade sobre a Etelvina professora, poetisa, jornalista, abolicionista, republicana e/ou como “mulher ou mãe” (LIMA, 1998, p. 17)
Com toda certeza, a poetisa itabaianense foi um marco no rompimento da situação de submissão intelectual e de preconceito em relação à figura feminina na sociedade sergipana, a qual estava submetida aos caprichos do homem e aos afazeres domésticos. Segundo Thétis Nunes um dos motivos, provavelmente dessa mentalidade foi o temor do “homem que a mulher letrada escapasse ao seu mandonismo tradicional...” (NUNES, 1984, p. 47).
A pioneira serrana fez a diferença.  Lutou arduamente enquanto teve forças físicas e mentais em prol da educação e da literatura sergipana, além de ter sido um exemplo para as mulheres de seu tempo. Mas aos 18 de março de 1935, exaurida pelo tempo e o desgaste de tantas lutas, a admirável professora cessou a sua estada neste chão.

Referência Bibliográfica:

FREIRE, Ofenísia Soares. Etelvina Amália de Siqueira: Pioneira das Intelectuais Sergipanas. In: Cadernos de Cultura do Estudante. Aracaju: UFS, ano V, v. 5, 1998, p. 27- 4.
GUARANÁ, Armindo. Dicionário Biobibliográfico Sergipano. Rio de Janeiro: Estado de Sergipe, Empresa Gráfica Editora Paulo, Pongetti e C., Rio de Janeiro, 1925, p. 75.
LIMA, Laís Amaral Vieira. A Participação Feminina na Imprensa Abolicionista em Aracaju (1881-1885): Etelvina Amália de Siqueira. São Cristóvão, 1998. (monografia de conclusão de curso em licenciatura em História pela UFS), p. 15-28.
NUNES, Maria Thétis. História da Educação em Sergipe. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984, p. 47.
_____. Sergipe provincial II (1840/1889). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; Aracaju,SE: Banco do Estado de Sergipe, 2006, p. 62-63; 66.
PINA, Maria Lígia Madureira. A mulher na história. s/l.: s/e., s/d., p. 193-204.
SANTOS, Maria Nely. A Sociedade Libertadora: “Cabana do Pai Thomaz”, Francisco José Alves, uma História de vida e outras histórias. Aracaju: J. Andrade, 1997, p. 105.

Nota:
* Texto produzido entre março e maio de 2007
** Professor e pesquisador graduado em História pela Universidade Federal de Sergipe.
*** Professora e graduada em Letras pela Universidade Federal de Sergipe.

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