domingo, 16 de maio de 2010

O poeta serrano Carvalho Lima Júnior*

José Wilson Moura Santos**
Ana Paula Rocha Barreto***



“Desde jovem se revelou sempre um gênio bondoso e altivo.
Inteligência valente, vantajosamente borrifada de vários conhecimentos, pela leitura de gabinete, pois não conquistou a ciência regular, ministrada em alguma faculdade. [...] Trabalhou; lutou; afanou-se; excedeu-se. [...] Ninguém fez mais do (sic) ele em prol da democracia brasileira, em Sergipe.” (GOES, 2005, p.44-5)




Assim define o companheiro de idéias republicanas e contemporâneo Baltazar Góes a Lima Júnior.
As poesias do itabaianense Francisco Antônio de Carvalho Lima Júnior (1856-1929) é o foco principal deste artigo. Vivendo ainda no esquecimento sepulcral, o poeta não recebeu ainda as devidas homenagens e reconhecimento entre a sua gente. Entretanto, o contemporâneo Armindo Guaraná e os poucos escritores que o mencionam consideram-no um dos maiores homem da letra em Sergipe. Para convalidar tal afirmativa, transcreveremos dois poemas que fazem jus ao mérito.
Esse merecimento deu-se pela sua grande inteligência e dedicação à pesquisa. Sendo autodidata, foi um dos mais ilustres homens das letras em nossa terra. A sua afeição à leitura e à escrita levam-nos a dividir sua produção intelectual em: literária (poesia, contos, dramaturgia, biografias, romance) e científica (artigos, escritos históricos e geográficos, políticos); deixando para a posteridade inúmeros artigos em diversos jornais de Sergipe, Alagoas, Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro, almanaques sergipanos e livros.
Homem de grande moral, dignidade e altivez não se deixou levar por favores políticos e interesses inidôneos, por isso não foi contemplado como deveria ter sido em seus trabalhos intelectuais (SANTOS, 2002, p. 7-42), mesmo assim, merecidamente, é patrono da Cadeira de nº. 11 da Academia Sergipana de Letras, tendo seu nome inscrito em uma das artérias e escola da sua terra natal. Contudo, isso não exaure a necessidade flamejante de se estudar sua produção historiográfica e literária que dorme em berço eterno.
A produção poética de Lima Júnior das últimas décadas do século XIX está inserida, de acordo com Jackson da Silva Lima, na fase romântica. Segundo o crítico literário, “das diversas tendências poéticas que se sucederam, é impressionante a vitalidade da intuição romântica, a sua sobrevivência parcial ao longo dos tempos, numa espécie de reencarnação literária” (SILVA, 1986, p. 67). Enquanto isso, a nível nacional, os poetas estavam “forrados por ingênuo materialismo e fortes convicções antimonárquicas, pretendiam demolir, á força de versos libertários, os pilares do conservantismo romântico que se ajustara tão bem ao sistema de valores do Segundo Reinado” (BOSI, 1978, p. 244). A marca romântica em Sergipe é visível nos poemas de Lima Junior e o caracterizamos na sua primeira e segunda fase desse movimento literário. Entre os poemas que estão na fase romântica citamos “A Sertaneja” e “Não Olhes”.
O poeta serrano foi inserido na sistematização de Sílvio Romero que estabeleceu quatro grupos distintos os quais teriam um chefe e estariam num mesmo período cronológico. Portanto, na concepção Romeriana, o ilustre poeta serrano faria parte do terceiro grupo de poetas sergipanos. Esse grupo seria chefiado pelo próprio Sílvio Romero e dele participariam além de Lima Júnior, Filinto Elísio do Nascimento, Jason Valadão, Prado Sampaio, Joaquim Fontes e Manoel dos Passos de Oliveira Teles (ROMERO, 2001, p. 13-14).
As produções literárias de Lima Júnior encontram-se esparsas em diversos jornais, almanaques e revistas em Sergipe e outros estados da federação brasileira (NUNES, 2002, p. 292). Neste trabalho, destacamos a obra poética “Pátria”, que foi impressa pela Tipografia Progresso de Porto/Portugal em 1909 e outras poesias, como: Sodoma e Gomorra (1876); Harmonias da Natureza (1882); A Aurora (1882); Ouve-me (1882); Teus Olhos (1882); Combate Interior 1883); Nunca Vi (1888); O vôo da Águia (1888); Ela (1888); Uns Seios (1892) e outras.
Para certificar-se da qualidade literária de Carvalho Lima Júnior, transcreveremos os poemas A Sertaneja e Não Olhes, ambos escritos em 1888 no Jornal “O Laranjeirense”.

A SERTANEJA

I

Tenho saudades infindas,
Saudades de minha terra,
De tudo quanto ela encerra
- Campinas, vergéis e flores;
A vida é lá mais suave,
As auras são mais fagueiras
À sombra das cajazeiras,
Ai! terra dos meus amores.

Ai! terra dos meus amores,
Meu viver de pequenina,
Quando eu brincava traquina
No colo de minha mãe!
Quem dera-me oh! Deus! quem dera,
Tomar àqueles lugares,
Visitar aqueles lares,
Que mil enlevos contêm!

Que mil enlevos contêm;
Se eu fosse um passarinho
Iria fazer meu'ninho
Nas serras do meu sertão;
Iria, meu Deus! que sorte!
Cantar lá com as patativas
Nas lindas manhãs estivas
De primavera e verão.

De primavera e verão,
Quem pode ouvir nas florestas
A mais sublime das festas
Sem de alegria saltar!
O sanhaço e as arapongas,
O xexéu e as viuvinhas
Fazem lembrar as modinhas,
Que aqui costumam cantar.

Que aqui costumam cantar
Não como na minha terra,
Que os gozos do mundo encerra
Fazendo inveja aos dos céus,
- Nos olhos de suas morenas,
- Nas águas de suas fontes,
- Na luz dos seus horizontes,
- Num raio dos olhos meus.

Num raio dos olhos meus
Há muita gente morrido,
Muitos peitos hão feridos
As setas do meu amor.
No sertão de minha terra
Também bebe-se ventura,
Nos seus campos de verdura,
Nas suas relvas em flor.

Nas suas relvas em flor,
Se sente a doce fragrância
Dos castos lírios da infância,
Fala Deus à Criação,
Enquanto na densa sombra
De suas escuras matas,
As aves em serenatas
Dão-nos vida ao coração.

II

Quando eu ia com meu pote
Buscar água na ribeira,
Trepava na ribanceira
E me punha a meditar,
Não se importavam comigo
As nampupés nem as emas,
Brincava com as seriemas,
Que vinham me festejar.

Que vinham me festejar,
Dizia-me o som da aragem,
O murmúrio da folhagem,
Do campo as flores mais belas,
E eu era muito ditosa
Vendo as araquãs bravias,
As nambus e as cotovias
Quando eu brincava com elas.

Quando eu brincava com elas,
Do mundo eu nem me lembrava,
E muita vez as livrava
Do tiro do caçador.
De manhã ou à tardinha,
Macio o vento soprava
Nas folhas da cana-brava,
Nos umbuzeiros em flor.

Nos umbuzeiros em flor,
Se os papagaios pousavam,
Se os maracanãs cantavam,
Ouvia-se a juriti;
E o bando dos periquitos
Semelhava cardinheiras
Sob o leque das palmeiras,
Nas palmas do ouricuri.

Nas palmas do ouricuri,
Quando a viração se agita,
Em nossas almas crepita
Todo o fogo da poesia,
Que também somos poetas
Naquelas plagas ridentes,
Naquelas areias quentes
Onde tudo é alegria.

Onde tudo é alegria
Como lá, não diz o fado,
Que já nos tem sepultado
Em trevas o coração.
Os caitetus em manadas,
As eu tias e as antas,
Zabelês e paeas tantas
Só se vê lá no sertão.

Só se vê lá no sertão,
No meu retiro de outrora,
Que quisera ver agora
Junta ao meus irmãos e pais.
Quem dera abraçar Joaninha,
Olhar no curral o gado,
Meu pai caçando veado,
E eu feliz muito mais.

E eu feliz muito mais
Não posso ser nesta terra
Como andorinha que erra
Sem dormir no ninho seu,
Sem armar minha arapuca,
Sem ouvir correr na grota
O som da caudal, que brota
Das cachoeiras do céu.

Das cachoeiras do céu,
Que lágrimas tão cristalinas
Umedecem as campinas
E as cabanas dos pastores!
E eu por aqui sozinha,
- Da sorte - enjeitada,
Pela seca expatriada,
Curtindo só dissabores.

Curtindo só dissabores.
Por viver longe dos meus,
Debaixo de estranhos céus,
Sem amor no coração,
Pedindo a Deus que dê vida
À triste rola sem ninho,
Guiando-a pelo caminho,
Das plagas do meu sertão.


NÃO OLHES

Seus olhos são tão negros e brilhantes,
Têm o brilho da luz dos diamantes.
Antônio Romariz (Auras Matutinas)


Não olhes para mim, que tu me matas
Ao lânguido volver do teu olhar.
Não olhes, que o luzir desses teus olhos
Mais sabem que ferir, sabem matar.

Não olhes para mim, por Deus te peço,
Com esse teu olhar todo magia;
Não olhes, que fascinam-me os teus olhos,
Fazendo-me sonhar de noite e dia.

Não olhes para mim, mulher divina,
Que podes sem querer, vir-me a cegar;
Se olhares me verás desfeito em chamas
Das lavas do vulcão do teu olhar.

Não olhes para mim, que vivo em trevas.
Com esse teu olhar que me seduz.
Não olhes, que eu me vejo nos teus olhos,
E cegou-me os lampejos dessa luz.

Porém se tu, demônio ou anjo ou fada,
Quiseres impiedosa me matar,
Acende essa fogueira dos teus olhos,
Abrasa-me na luz do teu olhar.

A partir da leitura de ambos os poemas, ressaltamos o eixo de migração de fase literária dos poemas supracitados. Enquanto o primeiro exalta, elogia e engrandece a sua terra; o segundo poema retrata o amor ofegante a uma mulher inatingível e idealizada.
O poeta itabaianense carece de novas releituras de seu legado tanto na produção científica quanto na literária, ainda pouco desbravada. Desse modo, observada a leitura desses dois poemas de Lima Júnior, validamos que a qualidade de suas produções literárias em nada difere ou se inferioriza a outros poemas do mesmo período.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

ALMEIDA, Serafim Vieira de. Anthologia de Poetas Sergipanos. São Paulo: Typ. cupolo, 1939;
BOSI, Alfredo. História Concisa da Literatura Brasileira. São Paulo: Cultrix, 1978;
GOES, Baltazar. A República em Sergipe. 2 ed. Aracaju: Secretaria de Estado da Cultura, 2005, p. 43-45;
GUARANÁ, Armindo. Dicionário Biobibliográfico Sergipano. Rio de Janeiro: Estado de Sergipe, Empresa Gráfica Editora Paulo, Pongetti e C., Rio de Janeiro, 1925;
LIMA, Jackson da Silva. História da Literatura Sergipana. Aracaju: FUNDESC, 1986, p. 67; p. 105-15;
NUNES, Maria Thétis. Sergipe provincial II (1840/1889). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; Aracaju,SE: Banco do Estado de Sergipe, 2006, p. 292;
ROMERO, Sílvio. Parnaso Sergipano. Org. Luiz Antônio Barreto. Rio de Janeiro: Imago; Aracaju: UFS, 2001, p. 13-4;
SANTOS, José Wilson Moura. A historiografia de Francisco Antônio de Carvalho Lima Júnior: Introdução e antologia. São Cristóvão: 2002. (monografia de conclusão de curso em licenciatura em História pela UFS), p.7-42.
Nota:
* Texto produzido entre junho e agosto de 2007
** Professor e pesquisador graduado em História pela Universidade Federal de Sergipe.
*** Professora e graduada em Letras pela Universidade Federal de Sergipe.

Nenhum comentário:

Postar um comentário