sábado, 29 de maio de 2010

O LIVRO DIDÁTICO COMO FONTE PARA A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: UMA CONTRIBUIÇÃO*

José Wilson Moura Santos**


RESUMO

O texto demonstra, por meio da leitura das obras de Lajolo & Zilberman(1998), Laguna(2003) e Ferro(2000), a singularidade da leitura dos livros didáticos e paradidáticos como fontes imprescindíveis para o estudo da História da Educação e de todo o processo ensino-aprendizagem, no decorrer do tempo por focar, de diversas formas, o contexto escolar e o processo ideológico nos diversos momentos.

Palavra-chave:
Fonte – Livro Didático – Leitura – Representações – História da Educação


A História da Educação, hoje, contempla uma diversidade de temas que vão desde os estudos mais tradicionais como: os que investigam o ensino, a escola e a legislação educacional aos mais recentes, como: o livro, a mulher inserida no ensino, violência escolar, crianças e jovens na escola. A leitura, como outros tantos, tem sido ultimamente , objeto dos pesquisadores que se apóiam na História Cultural.
Com relação a esse último objeto de estudo da História da Educação, umas das fontes mais propícia para estudá-la, segundo Lajolo e Zilberman é
O livro didático..., é poderosa fonte de conhecimento da história de uma nação, que, por intermédio de sua trajetória de publicações e leituras, dá a entender que rumos seus governantes escolheram para a educação, desenvolvimento e capacitação intelectual e profissional dos habitantes de um país. (LAJOLO; ZILBERMAN, 1998, p.121)

Para muitas crianças e até mesmo jovens, o livro didático de leitura é ou foi o primeiro, entre os tantos conhecimentos adquiridos no cotidiano que proporcionou a formação, idéias, postura, conduta, atitudes que são desejadas pela sociedade e pelo Estado passado, as quais foram transmitidas através do livro didático de leitura. Em relação a sua importância para a História da Educação, Lajolo e Zilberman afirmam que
o livro didático interessa igualmente a uma história da leitura porque ele, talvez mais ostensivamente que outras formas escritas, forma o leitor. Pode não ser tão sedutor quanto às publicações destinadas à infância (livros e histórias em quadrinhos), mas sua influência é inevitável, sendo encontrado em todas as etapas da escolarização de um indivíduo... (Idem,1998, 121)

Diante da possibilidade do livro didático nos confidenciar o conhecimento do processo de leitura, o que os estudantes liam e o que essa leitura tinha a dizer ou influenciar na formação do leitor, propomos a partir da leitura de Lajolo e Zilberman(1998), Laguna(2003) e Ferro(2000) convalidar que essa fonte citada é fundamental para se escrever a História da Educação, além de conhecer as representações que se criavam para a formação do leitor e do cidadão naquele momento histórico.
Lajolo e Zilberman em “A formação da leitura no Brasil”(1998), tratam de mostrar como se deu o desenvolvimento da leitura no Brasil (por meio, principalmente, das obras literárias), como todo o processo de profissionalização do escritor brasileiro junto as suas dificuldades, despesas, angústias e desapontamentos. E entre os vários temas abordados, discorrem sobre a situação da educação no Brasil, a importância do livro didático, a falta de uma produção nacional e em seguida da confecção desse tipo de livro por intelectuais que viram um mercado promissor e meio de sustento pela pouca remuneração no mundo das letras.
A respeito da finalidade da produção do livro didático para a formação do estudante e consequentemente do leitor brasileiro, conhecemos desde os princípios do século XIX, qual a exigência para a produção desse tipo de obra pelo escritor. Segundo Lajolo e Zilberman “o requisito exigido para a escolha das obras é sua ‘perfeita e exata moral’, ao lado, por assim dizer, de uma reconhecida reputação”. (Idem, 1998, 150). Entre os escritores estrangeiros que influenciou o mercado do livro didático no Brasil, está o português João de Deus que reafirma isso em seu livro didático a partir do título da obra Cartilha maternal, que é “uma expressão que aproxima escola e família através da figura maternal”. (Idem, 1998, 190)
A produção do livro didático brasileiro só vem se tornar realidade no fim do século XIX, quando há a “nacionalização do livro para criança”. (Idem, 1998, 183) Segundo as autoras, a produção de livros didáticos por brasileiros foi inaugurada por Abílio César Borges para “todas as séries do ensino fundamental”. (Idem, 1998, 199)
No estudo da leitura do livro didático, notamos toda uma construção de representações que o autor faz da realidade. Segundo Chartier a representação “... é o instrumento de um conhecimento mediato que revela um objeto ausente, substituindo-o por uma imagem capaz de trazê-lo à memória e pintá-lo tal como é”. (CHARTIER, 2002, p 74). É assim que o autor de livro didático representa o real, o cotidiano apreendido por ele, passando ao leitor, as atitudes, o cotidiano e o comportamento que se quer do leitor. Contudo, essas representações são apropriadas pelo leitor e desse modo, a interpretação da leitura dar-se-á da forma como o leitor vai representar o real a ele representado. Diante dessas representações e da maneira que o leitor se apropria dela, podemos concluir que a representação possivelmente será divergente de um leitor para qualquer outro.
Essas representações da realidade e do que o Estado e a sociedade querem que sejam praticadas no seu meio são representadas através das leituras dos livros didáticos analisados por Shirley Puccia Laguna(2003) em Uma leitura dos livros de leitura da Escola Americana de São Paulo (1889-1933). Portanto, neste trabalho, Laguna se ocupa em demonstrar entre tantas outras coisas, que o livro de leitura passa como deve ser o comportamento e a convivência familiar e social dos alunos; manipulação de conceitos e a maneira de ver a cultura popular, a História do Brasil, a relação campo x cidade na ótica escolar, criando o sentimento patriótico e a exaltação ao herói e grandes escritores nacionais.
Laguna expõe que nos livros didáticos do início do século XX, tinham toda uma preocupação pela exaltação do Brasil e o afloramento do patriotismo. A construção desse sentimento pode ser visto entre os livros analisados pela autora, em ‘Minha Pátria’ de João Pinto e Silva, onde nessa obra “o Brasil é apresentado nas lições como a pátria, ‘a terra-mãe’, que deve ser amada, respeitada e defendida por seus filhos”. (LAGUNA, 2003, p. 46). E ainda neste mesmo livro de leitura, Laguna afirma que os defensores da pátria, ou melhor, os ‘heróis’ do Brasil “deveriam ser glorificados pelos brasileiros e chamados de heróis” (Idem, 2003, p. 47) e que nos livros didáticos são representados como “guias das pessoas comuns, modelos de conduta moral e patriótica para crianças e jovens. Igualmente foram tidos como ‘ouro’ necessário para forjar um Brasil forte” (Idem, 2003, 143); além de servirem para “para transmitir ensinamentos morais, moldar comportamentos, configurar caráter”. (Idem, 2003, 171)
Outro tema abordado pelos livros didático é a exaltação do campo e a boa vida que ele pode proporcionar. Na obra ‘Saudade’ de Tales de Andrade que segundo Laguna “o livro veicula a idéia de que a grandeza do país estava na terra, em uma agricultura forte, bem como de que a felicidade do brasileiro encontrava-se na vida simples, calma e saudável do campo (da roça)”. (Idem, 2003, p. 74)
Os ensinamentos morais, segundo Laguna tomam projeção em várias obras didáticas, muitas vezes como textos apólogos, como em fábulas (Idem, 2003, p. 125-126). Essas obras transmitiam aos alunos como deveriam ver “o professor como um espelho real e bom no qual o aluno iria se mirar para aprender a não mentir, a ser pontual, a cumprir os deveres, a respeitar e amar o próximo por meio de ações, por colocar a necessidade do conhecimento da pátria para bem amá-la e servi-la”. (Idem, 2003, 125).
Um outro tema que toma um bom número de obras didáticas de leitura é a exaltação ao trabalho, segundo Laguna. O trabalho nos livros didático é visto como elemento de erguer a auto-estima, dignificar o homem (no caso o menino) e motivo de sucesso. Ela escreve que, entre as obras, “na lição O pedreirinho, de Coração, o pai de Henrique procura conscientizá-lo também de que todo o trabalho é nobre.” (Idem, 2003, p. 137)
Também, os livros de leitura estudados por Laguna(2003) trabalham na representação da construção de um bom aluno e de uma boa pessoa. Segundo a autora, o bom aluno representado nas lições é aquele que “cuida para que o material esteja sempre em ordem para as aulas..., a ‘boa pessoa’ é corajosa, honrada, leal na amizade, caridosa e perseverante; não mente; não tem inveja ou preguiça; não maltrata os animais; mas protege-os e alimenta-os; pratica boas ações e trata todos com bons modos; é bom filho e obedece aos pais; comporta-se bem em casa e na escola”. (Idem, 2003, 214-215)
Maria do Amparo Borges Ferro(2000), na sua tese intitulada Literatura escolar e História da Educação: cotidiano, ideário e práticas pedagógicas analisa o romance Cazuza, o qual apresenta o cotidiano escolar no início do século XX, além de caracterizar as mudanças pedagógicas, a relação professor/aluno e a função social da escola.
De acordo com Borges Ferro, a obra apresenta
as grandes questões que estão postas na obra, em que se percebe a intenção de repassar e inculcar, nos leitores, idéias, valores, ideais e a estimulação de formação de posturas e atitudes presentes no ideário republicano que se firmava neste país, àquela época. (FERRO, 2000, p. 5)

A obra analisada por Ferro, demonstra a preocupação que o paradidático tinha na formação moral e patriótica do estudante. A abordagem desse tema era dada “de forma bastante atraente e comunicativa para o público infanto-juvenil, ao qual se dirige divulgando idéias e ideais, demonstrando preocupação com a formação da conduta moral e patriótica das crianças e adolescentes” (Idem, 2000, p. 86), além disso, o autor também estimula “a idéia de brasilidade, de fraternidade a unir um povo acima das diversidades e disputas regionais”. (Idem, 2000, p.113)
Também a obra analisada por Ferro, estimula e dá a convicção do alto status que ocupa a criança que estuda em detrimento a aquela que está fora da unidade de ensino. A autora afirma que o autor do romance deixa a idéia de que “o menino que ia à escola tinha uma posição social diferenciada, e mais valorizada. Dava status freqüentar a escola, uma vez que tão poucos a ela tinham acesso. É a escolarização funcionando como critério ou meio de prestigio social”. (Idem, 2000, p. 168)
Ferro mostra que o romance não chama atenção apenas à escola, ao aluno e o que se espera dele, mas volta-se a prática docente. E ao voltar-se a ela, demonstra que as práticas pedagógicas dos professores da zona rural e urbana eram totalmente antagônicas. Enquanto o professor da zona rural é “autoritário e hermético ao diálogo”..., o professor da zona urbana “tinha o gosto pelo ensino, e assumia uma posição de polivalência substituindo quaisquer dos professores do primário ou secundário que por algum motivo faltassem à aula, com tal eficiência...” (Idem, 2000, p. 189-190).
Diante do exposto, temos a certeza de que o estudo da leitura dos livros didáticos e para-didáticos demonstraram sua importância como fonte singular para o estudo da História da Educação, pois abrange tanto o processo de leitura, quanto a formação do leitor, comportamento, a compreensão da relação escola/indivíduo e como ele era tratado nessa instituição. E mais, a força desses escritos esclarece às práticas pedagógicas, o cotidiano da escola e as intenções de se produzirem determinados textos para serem trabalhados em sala de aula que em parte trazem toda uma ideologia.






Notas:
* Texto produzido entre fevereiro e abril de 2010.
** Graduado em História pela UFS, Especialista em Educação e Gestão pela Faculdade Pio X. Professor da rede pública de ensino. Integrante do grupo de estudo História Popular do Nordeste/NPGL.



Referências 


CHARTIER, Roger. À beira da falésia: a história entre incertezas e inquietude. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002.

FERRO, Maria do Amparo Borges. Literatura escolar e História da Educação: cotidiano, ideário e práticas pedagógicas. São Paulo: Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, 2000. (Tese de Doutoramento)

LAGUNA, Shirley Puccia. 2003. Uma leitura dos livros de leitura da Escola Americana de São Paulo (1889-1933). São Paulo: PUC, 2003 (Tese de Doutorado).
 
LAJOLO, Marisa & ZILBERMAN, Regina. A formação da leitura no Brasil. São Paula: Ática, 1998.

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